Área tributária em debate

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Nova Lei de Recuperação Judicial e Falência aumenta poder de decisão de credores sobre busca de bens

“Governo Federal cedeu em alguns privilégios, porém criou situações complicadas para empresas que estão sem geração de caixa”, avalia Creso Suerdieck

Foto: Divulgação

Sancionada com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em dezembro no ano passado, a nova Lei de Recuperação Judicial e Falência entrou em vigor no último dia 24 de janeiro.

Especialistas avaliam que o dispositivo trouxe benefícios para as empresas que estejam passando por dificuldades, como a ampliação de financiamento, o parcelamento e o desconto para pagamento de dívidas tributárias.

Creso SuerdieckUm deles é Creso Suerdieck, que, no entanto, tem ressalvas. “Ainda é um tema bastante discutido, principalmente nesta área tributária. O Governo Federal cedeu em alguns privilégios, porém criou situações complicadas para empresas que estão sem geração de caixa”, observa o especialista.

Na outra ponta, aumentou o poder de decisão dos credores, que passam inclusive a ter garantidas as prerrogativas de propor planos de recuperação e contratar as chamadas ‘asset tracings’ (empresas encarregadas de buscar bens da massa falida no exterior), antes restritas aos empresários e administradores judiciais, respectivamente.

Asset Tracers

A atuação das ‘asset tracers’ é polêmica e já foi questionada em processos falimentares famosos do Brasil. Na avaliação do professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Pedro Freitas Teixeira, que auxiliou o deputado federal Hugo Leal (PSD–RJ) na construção do texto do projeto que virou lei, o mecanismo é importante, mas precisa ser regulado para evitar abusos. Pensando nisso, foram incluídos na nova lei artigos para vedar a extensão dos efeitos da falência a sócios de responsabilidade limitada e para restringir a possibilidade de sócios serem atingidos pela decretação da falência às sociedades de responsabilidade ilimitada.

A discussão é candente porque houve e ainda há ações de credores questionando a atuação de promotores, administradores judiciais e até juízes especialmente sobre a lisura da contratação das ‘asset tracings’ e de seus ganhos. Os pleitos vão desde os que contestam contratos sem o conhecimento dos credores, nos quais são estabelecidos ganhos considerados elevados para as empresas que rastreiam bens das massas falidas no exterior, até pedidos de retirada do segredo de Justiça, decretados por requisição das promotorias, sob o argumento de que bens rastreados podem ser movimentados e escondidos em outro local.

Boi Gordo

Em decisão do ano passado, no processo da massa falida da Boi Gordo, um império da pecuária que veio abaixo, por exemplo, a juíza Renata Mota Maciel Madeira Dezem, da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo, indeferiu o pedido do administrador judicial para cumprir a sentença de captura de bens da empresa Bom Jardim Empreendimentos Rurais, no valor de R$ 20 bilhões.

Nos termos propostos na ação, o administrador judicial pedia honorários de 1%, o equivalente, em cenários otimistas de localização de ativos, a R$ 200 milhões. “Imagino que o síndico não tenha feito esta conta, porque se tivesse, talvez tomasse maior cautela ao submeter ao juízo uma proposta nestes termos e sem maior fundamentação. Aqui, o norte é o interesse da massa falida, em especial do numeroso grupo de credores que aguarda o recebimento de seus créditos”, diz a juíza na decisão.

As comissões cobradas por empresas de recuperação de ativos chegam 30% do valor recuperado. Por lei, o administrador judicial, que é quem contrata essa prestação de serviço no exterior, só pode receber 5% dos bens de um processo falimentar.

Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica

Ainda segundo o professor Pedro Freitas Teixeira, o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previsto na nova lei, será o procedimento prévio e obrigatório a ser instaurado antes de qualquer medida sobre bens de terceiros a partir de agora. Funciona como um processo apartado em que as partes envolvidas terão a oportunidade de oferecer suas defesas acerca da suspeita de desvio de bens ou prática de qualquer ato fraudulento. “Antes da lei, a partir do resultado das buscas de bens, o juiz podia ser provocado pelo AJ e autorizar, sem qualquer prévio contraditório, a extensão dos efeitos da falência sobre bens de terceiros: sócios, administradores ou até sociedades que são do mesmo grupo, mas que podem estar envolvidas”, explica.

A lei avançou ao tratar de questões falimentares envolvendo partes outros países, segundo a advogada Samantha Mendes Longo, sócia do escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Ela destaca que a norma traz, pela primeira vez, ‘regras sobre a insolvência transnacional, que merece cada vez mais atenção diante da globalização’.

“Tem sido cada vez mais frequente o pedido de recuperação judicial por grupos econômicos transnacionais e coube, até hoje, à jurisprudência tratar do tema, já que não havia qualquer previsão na Lei 11.101/05”, conta.

Mediação e conciliação

A mudança importante, pontua a advogada, é a previsão do uso da mediação e da conciliação não apenas durante o processo de recuperação, mas também na fase pré-processual, a fim de evitar demandas e fomentar que devedor e credor sejam mais ‘protagonistas’ na reestruturação.

“Isso está em total sintonia com a valorização dos métodos autocompositivos, como, aliás, já previa a Recomendação 58/2019 do Conselho Nacional de Justiça”, explica. “O estímulo ao diálogo se verifica com a redução do quórum de aprovação do plano de recuperação extrajudicial, modelo ainda pouco utilizado e que merece ser amplamente desenvolvido”, acrescenta a advogada.

A especialista também elogia a previsão da nova lei quanto à ‘constatação prévia’, que é a possibilidade de o juiz nomear profissional de sua confiança para atestar as reais condições de funcionamento e a regularidade da documentação apresentada pelo devedor. O mecanismo já vinha sendo determinado por magistrados e foi sugerido pelo Conselho Nacional de Justiça na Recomendação 57/2019.
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